segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Breves reflexões sobre o golpe de Estado hondurenho e a situação do presidente Manuel Zelaya na missão diplomática brasileira sob a perspectiva do DIP

Tendo em vista os recentes acontecimentos em Honduras, faz-se oportuna uma breve reflexão de como o golpe de Estado pode ser percebido pelo Direito Internacional de hoje. O Direito Internacional pode, ou deve, interferir em uma situação que, em uma primeira análise, pertence exclusivamente a esfera interna?


Posteriormente, é igualmente oportuna, uma breve análise da situação do presidente Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Hospede, ou asilado?


A América Latina possui em sua história contemporânea um grande período marcado por golpes de Estado e conseqüentes ditaduras militares. Foram anos nos quais a ordem democrática foi subvertida e junto com ela, as garantias e direitos individuais e coletivos desapareceram. O resguardo da segurança nacional foi usado como motivo padrão e essa erigida como valor fundamental a ser protegido a qualquer custo.

As conseqüências foram, em geral, processos de redemocratização políticos e socialmente deficitários e, em alguns casos, principalmente no Brasil, uma justiça transicional que deixou a desejar, perpetuando a impunidade e dando sinal verde para o agir violento das forças de segurança pública.

Passado esse período, os Estados latino americanos começaram um processo de reinserção na comunidade internacional, que teve como uma de suas principais intenções a reconstrução da imagem de ditaduras para democracias. Nessa esteira, ratificaram os principais tratados de Direitos Humanos tanto do sistema global, quanto do regional e consentiram em ser jurisdicionáveis por cortes internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, responsável por julgar as condutas violadoras dos Estados e, mais recentemente, o Tribunal Penal Internacional, atuando na responsabilização dos indivíduos que cometem crimes internacionais.

A adesão aos tratados internacionais de direitos humanos implica necessariamente em uma restrição do exercício da soberania, pois os Estados reconhecem que os indivíduos que neles se encontram não são mais de seu domínio reservado, e sim objetos de legítimo interesse internacional. Os traumas do pós- Segunda Guerra e o processo histórico-político da comunidade internacional contribuíram para construção de um novo paradigma para o Direito Internacional, no qual o ser humano, e não mais os Estados, passa a protagonizar sua atuação e seus fins.

Neste diapasão, a Declaração de Viena e o Plano de Ação, frutos da Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, reconheceu nos seus dispositivos uma fundamental inter-relação entre Direitos Humanos, desenvolvimento e democracia. No item 8 diz claramente: “A democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente. A democracia se baseia na vontade livremente expressa pelo povo de determinar seus próprios sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais e em sua plena participação em todos os aspectos de suas vidas. Nesse contexto, a promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, em níveis nacional e internacional, devem ser universais e incondicionais. A comunidade internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoção de democracia e o desenvolvimento e respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais no mundo inteiro.”

Assim, concluí-se que não há uma efetiva proteção dos direitos humanos se não em um ambiente democrático e com políticas voltadas ao desenvolvimento. A democracia, faz-se, portanto, necessária a concepção da ideia de direitos humanos, pois é o ambiente no qual o ser humano se desenvolve com liberdade e resguardado pela rule of Law.

Tendo em vista que o golpe de Estado ocorrido em Honduras colocou a baixo a ordem democrática ali estabelecida, também colocou em perigo a proteção dos direitos humanos naquele país, deixando seus cidadãos e estrangeiros que lá habitam (em especial os brasileiros) vulneráveis à atuação das forças golpistas e à violência gerada pela resistência e pelos apoiadores do golpe.

Portanto, uma vez posto em perigo iminente o resguardo dos direitos dos indivíduos que se encontram no território hondurenho, o golpe pode ser interpretado como um ato ilícito internacional que agride a comunidade internacional como um todo, devendo essa responder de maneira rápida e eficaz, tendo como baliza os postulados do Direito Internacional.

Concluído que o golpe foi internacionalmente ilícito, passo à reflexão sobre a situação do presidente de direito Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa.

Tanto o governo brasileiro quanto o Manuel Zelaya, afirmam que ele se encontra na embaixada como um hóspede. Observa-se aqui uma situação inédita e, no mínimo, complicada diante do Direito Internacional.

Está mais que óbvio que o presidente Zelaya fez a escolha política de não se declarar asilado e aproveitou as garantias conferidas às representações diplomáticas para continuar seu exercício político sem sofrer qualquer restrição. Do mesmo modo, não há, acredito, nem no costume, nem nas convenções internacionais a previsão de “hospede” nessas condições, sendo claro que o status de Zelaya diante do governo brasileiro deve ser o de asilado.

Arrisco dizer que, tendo em vista a situação dramática, cabe ao Estado brasileiro, prezando sua pretensa isenção na crise e a solidez de sua política externa, agir da seguinte forma: convencer o presidente Zelaya a pedir formalmente o asilo ou convencê-lo a procurar outro lugar. O que não pode acontecer é o uso de uma embaixada estrangeira como sede de campanha política, ou bunker de resistência.

Se aceitar a condição de asilado, a Convenção de Caracas sobre o Asilo Diplomático deixa muito claro no seu artigo XVIII que: “A autoridade asilante não permitirá aos asilados praticar atos contrários à tranquilidade pública, nem intervir na política interna do Estado territorial.” Portanto, Manuel Zelaya seria obrigado a se afastar da crise e da política hondurenha.

Bom, vamos ver como essa crise vai se desenvolver. Espero que a Comunidade Internacional e a República Federativa do Brasil ajam de maneira coerente.

Vitor Geromel- Grupo de Estudos Avançados em Direito Internacional dos Direitos Humanos- UEL