terça-feira, 24 de novembro de 2009

USO DE ALGEMAS E DIGNIDADE HUMANA NA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Em agosto do ano passado, o STF deparou-se com um caso emblemático. Um pedreiro de Laranjal Paulista (SP) foi condenado por homicídio qualificado pelo Tribunal do Júri local e contestou sua sentença no Supremo. Alegou que permaneceu algemado durante todo o julgamento e que isso lhe causou constrangimento ilegal e poderia ter influenciado os jurados.

Ao analisar o caso no Habeas Corpus (HC) 91952, os ministros da Corte entenderam que faltou fundamentação por parte da presidência do Tribunal do Júri para manter o réu preso. O STF então acolheu os argumentos da defesa e anulou aquele julgamento, para que um novo fosse realizado.

O relator do HC, ministro Marco Aurélio, afirmou que o uso das algemas sem necessidade, no caso do julgamento do pedreiro, pode ter levado os jurados leigos a terem uma impressão equivocada do réu, de que se tratava de um acusado “de alta periculosidade, uma verdadeira fera”. Para o ministro Eros Grau, o uso de algemas “é uma prática aviltante que pode chegar a equivaler à tortura, por violar a integridade física e psíquica do réu”.

O ministro Marco Aurélio destacou o papel do Estado na preservação da integridade física e moral das pessoas que estão sob custódia, ao salientar que “o preso um dia, mesmo condenado, voltará ao convívio dos concidadãos, voltará à sociedade”.

A partir desse julgamento, o Plenário do STF decidiu editar uma súmula vinculante para deixar claro que o uso de algemas somente deve ocorrer em casos excepcionalíssimos. Entenderam que o uso desnecessário das algemas fere o princípio da dignidade humana, bem como direitos e garantias individuais previstos no artigo 5º da Constituição Federal.

Em seu artigo 5º, o Pacto de San José se refere a princípios da dignidade humana em seus dois primeiros itens a saber: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral”. E no segundo item: “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.

Tanto o tratado internacional quanto a Constituição brasileira se referem à proibição do tratamento indigno do preso. No caso do Brasil, há ainda previsão de respeito dos cidadãos submetidos à privação de liberdade no artigo 474, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal, inserido pela Lei 11.689/08.

O parágrafo 3º do dispositivo legal é explícito quanto à restrição ao uso de algemas: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.

Além de firmar restrições sobre o uso de algemas e de editar súmula vinculante (SV-11*) sobre o tema, o Plenário do STF também determinou o encaminhamento da decisão ao ministro da Justiça e aos secretários de Segurança Pública dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal. Após essa decisão, o STF passou a receber inúmeros processos de habeas corpus e reclamações que contestam o uso de algemas.

AR/LF

*Súmula Vinculante 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

(FONTE: Notícias STF - Segunda-feira, 23 de Novembro de 2009
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116381&tip=UN)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

MILITARES QUE INGRESSARAM NA FAB APÓS PORTARIA 1.104/64 NÃO TÊM DIREITO À ANISTIA POLÍTICA

Militares que ingressaram na Aeronáutica após a edição da portaria 1.104/GM3/64, cuja natureza é de ato de exceção, não têm direito à anistia. A conclusão é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça que considerou que, em relação a eles, a norma - preexistente - tinha conteúdo genérico e impessoal, não possuindo conotação política os atos de licenciamento por conclusão do tempo de serviço permitido, na forma da legislação vigente.


Em mandado de segurança, quatro ex-servidores militares protestavam contra atos do Ministro de Estado da Justiça que indeferiu requerimentos administrativos por meio dos quais pretendiam ser declarados beneficiários da anistia política de que trata o artigo 8º do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal e da Lei 10559/2002.

Segundo afirmaram, foram incorporados nas fileiras da Força Aérea Brasileira (FAB) durante o regime militar, onde prestaram, efetivamente, oito anos de serviços. No mandado de segurança, alegaram que foram ilegalmente licenciados em cumprimento ao disposto na portaria ministerial 1.104-GM3, de 12 de outubro de 1964.

Após serem licenciados, protocolaram pedidos de anistia política na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça que indeferiu, sob o argumento de que não é considerado ato de exceção o licenciamento dos cabos incorporados à FAB na vigência da aludida portaria ministerial.

O pedido foi negado. Segundo a ministra Laurita Vaz, relatora do caso, diferentemente dos militares já incorporados antes da edição da portaria 1.104, de 1964, os cabos que ingressaram no serviço militar após essa data não foram alcançados pela portaria em apreço como ato de exceção.

Para a relatora, em se tratando de norma preexistente, geral e abstrata, não há como atribuir conteúdo político aos atos que determinaram os licenciamentos por conclusão do tempo de serviço permitido, na forma da legislação vigente. “Nessa linha, entendo que inexiste ilegalidade no ato de indeferimento do requerimento de anistia dos impetrantes”, asseverou a relatora.

"Ante o exposto, denego a segurança”, concluiu Laurita Vaz. Por unanimidade, a Terceira Seção concordou com a relatora.

Em outro caso cuja segurança também foi denegada, outro ex-servidor militar afirmava ter direito à anistia política, segundo reconhecido pela portaria 2.303, de 17/12/2002. Segundo alegava, o ministro de Estado da Justiça havia reconhecido seu direito a contagem de tempo de serviço, para todos os efeitos legais, até a idade limite de permanência na ativa, assegurando às promoções à graduação de suboficial com os proventos do posto de segundo-tenente e as respectivas vantagens, bem como reparação econômica mensal permanente continuada, com efeitos financeiros retroativos.

Após a informação do Ministério da Justiça de que tais portarias estão sendo revisadas, pois os ingressos na FAB se deram após portaria 1.104, a segurança foi denegada. “Mostra-se incabida a pretensão de tachar como ilegal a inércia da autoridade apontada como coatora no cumprimento das portarias, na medida em que a instauração do processo de anulação, dentro do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99, em tese, compromete a legalidade do ato concessivo de anistia política, afastando, inclusive, a liquidez e certeza do direito vindicado”, concluiu a ministra Laurita Vaz.

Notícias STJ - 10/11/2009  (http://www.stj.gov.br/) - MS 9834 e MS 9994

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

MP TEM LEGITIMIDADE PARA DEFENDER DIREITOS ESPECÍFICOS DE DETERMINADO GRUPO DE PESSOAS

O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública que trata de direitos específicos de um determinado grupo de pessoas. Com esse entendimento, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu recurso interposto contra a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) por descumprimento de acordo firmado entre a empresa e os trabalhadores residentes em área desapropriada pela companhia.

O acordo original previa o reassentamento dos trabalhadores e o pagamento mensal de 2,5 salários-mínimos a titulo de verba de manutenção temporária (VMT), já que toda a população residente na área desapropriada ficou privada de suas casas e das terras usadas para a própria subsistência. Posteriormente, o acordo foi alterado em negociação realizada por uma entidade sindical e o VTM reduzido ao equivalente a 10% do valor dos produtos de uma cesta básica somado à taxa mínima de energia elétrica.

Como o montante ficou bem inferior ao inicialmente pactuado pelos trabalhadores, o Ministério Público de Pernambuco requereu a anulação do acordo firmado pelo sindicato. A ação civil pública foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça estadual, que reconheceu a ilegitimidade ativa do MP para ajuizar ação civil pública que trata de direitos específicos de um determinado grupo de pessoas. O Ministério Público recorreu ao STJ.

Segundo o relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, no caso em questão ficou claro que o objetivo da ação civil púbica foi resguardar os direitos individuais homogêneos com relevante cunho social, e portanto indisponíveis, tais como os direitos de moradia, de garantia da própria subsistência e da vida digna.

“Ainda que os beneficiários desta ação sejam em número determinado de indivíduos, isso não afasta a relevância social dos interesses em jogo, o que é bastante para que, embora em sede de tutela de direitos individuais homogêneos, autorize-se o manejo de ação civil pública pelo Ministério Público”, ressaltou o ministro em seu voto.

Assim, com base nos artigos 129, inciso III, da Constituição e 1º da Lei n. 7.347/85, a Turma, por maioria, acolheu o recurso e determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem para julgamento das demais questões pendentes. Ficou vencida a ministra Eliana Calmon.

REsp 1120253/PE - Notícia publicada em 09/11/2009  (www.stj.gov.br)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

LEI DE (AUTO)ANISTIA E IMPUNIDADE: OBSTÁCULOS NORMATIVOS E SOCIAIS A UMA EFETIVA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

No Brasil, já há alguns anos vem-se discutindo questões como a legitimidade da Lei de Anistia de 79 (lei nº 6.683), se os crimes da ditadura estão prescritos, se a lei pode retroagir para punir tais fatos, se as indenizações pecuniárias são suficientes para reparar as vítimas e seus familiares, entre outras questões polêmicas e acaloradas.

Quando ouvi a afirmação de Monstesquieu “...que se examinem a causa de todos os abusos: ver-se-á que eles derivam da impunidade dos crimes e não da moderação das penas...”, imediatamente me veio à mente o caso da abertura dos arquivos da ditadura, no Brasil e em toda a América Latina.

Não vou adentrar o tortuoso mérito daquelas questões, pois são de tamanha complexidade, que um único texto não comportaria uma discussão adequada de todas elas. Contudo, não posso deixar de refletir sobre o que mais me chama a atenção em todo este debate: a complexa relação existente entre mencionada lei, impunidade e a repetição de atrocidades.

Quando questionados sobre a abertura dos arquivos da ditadura, perpetradores e seus defensores alegam que o Brasil é “um país pacífico” e que as “feridas estão cicatrizadas”. Afirmam que os fatos ocorridos naquele período devem ser deixados para trás e que revirá-los agora traria apenas dor e pesar aos familiares e vítimas. Para eles, a Lei de Anistia de 79 e o pagamento de indenizações pecuniárias são suficientes para reparar os danos e dores padecidos.

Entretanto, se esse de fato fosse o posicionamento de vítimas e familiares, certamente não se veriam tantos movimentos e tentativas de divulgar os fatos e a causa, como a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Há anos essas pessoas lutam para que se proceda à devida investigação e punição de crimes como tortura, execução sumária, desaparecimento forçado e ocultação de cadáver.

Infelizmente, uma grande parcela da sociedade brasileira não tem conhecimento da gravidade do que ocorreu no período da Ditadura Militar, tampouco da crueldade utilizada para combater a oposição política e popular ao Regime.

Ocorre que, os reflexos da ausência de investigação e punição dos fatos e criminosos vão muito além da esfera individual. Os interesses em jogo são de toda a sociedade.

A Lei de (auto)Anistia está intimamente ligada à impunidade, uma vez que funciona como obstáculo material e processual à investigação e sanção dos perpetradores.

Na suposta intenção de obter uma solução amistosa, a lei em questão cria no ordenamento interno barreiras ao cumprimento de obrigações internacionais básicas do Estado. Ademais, a lei nº 6.6683/79 não apenas impede o efetivo direito à verdade, ferindo diretamente preceitos de direitos humanos, como também representa, por si, uma violação ao dever do Estado de não sancionar leis garantidoras e perpetuadoras da impunidade de atos contra a humanidade.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos vem reiteradamente manifestando-se sobre as leis de anistia de diversos países latino-americanos, e recentemente admitiu o caso brasileiro da Guerrilha do Araguaia. A posição da Corte é clara: são inadmissíveis quaisquer tentativas de impedir a investigação, persecução e sanção dos responsáveis por atos violadores dos preceitos básicos do direito internacional dos direitos humanos.

No caso Barrios Altos Vs. Perú, em voto separado, o então juiz da Corte Interamericana Cançado Trindade asseverou que a impunidade tem como conseqüência o desgaste da confiança nas instituições públicas e que, por isso, qualquer lei de (auto)anistia é desprovida de legitimidade para o direito internacional.

O jurista brasileiro enfatizou ainda, que essas leis afetam o “mínimo universalmente reconhecido”, como os direitos à vida e à integridade pessoal, adentrando assim o domínio do jus cogens.

Por fim, deve-se ter em conta não apenas a finalidade punitiva da pena, como também seu caráter pedagógico e inibitório. A responsabilização, cível e criminal, dos perpetradores tem como principal conseqüência o desestimulo à repetição de práticas hediondas.

A ditadura militar é uma triste página de nossa história, a qual queremos que fique para trás e que nunca mais se repita. Contudo, deixar no passado não significa o completo esquecimento e ignorância dos fatos.

O direito à verdade e o direito à memória pressupõem a abertura total dos arquivos da ditadura, com o consequente conhecimento, por toda a sociedade, das atrocidades nela cometidas e dos algozes por essas responsáveis.  

Esses direitos são requisitos essenciais ao combate à impunidade. Garantí-los significa assegurar uma sociedade livre, justa e, acima de tudo, consciente dos trágicos fatos que por longos e  angustiantes anos acometeram-na.  
O que se tem hoje é um quadro de flagrantes violações aos direitos humanos, individual e coletivamente considerados. A Lei de Anistia impede a concretização do direito à verdade e à memória, sem os quais não se pode falar em efetiva Justiça de Transição. Ao Estado brasileiro cabe a extirpação dessa mácula da sociedade, removendo mais um obstáculo à Democracia real e definitiva, no nosso país e em toda a América Latina.



segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Breves reflexões sobre o golpe de Estado hondurenho e a situação do presidente Manuel Zelaya na missão diplomática brasileira sob a perspectiva do DIP

Tendo em vista os recentes acontecimentos em Honduras, faz-se oportuna uma breve reflexão de como o golpe de Estado pode ser percebido pelo Direito Internacional de hoje. O Direito Internacional pode, ou deve, interferir em uma situação que, em uma primeira análise, pertence exclusivamente a esfera interna?


Posteriormente, é igualmente oportuna, uma breve análise da situação do presidente Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Hospede, ou asilado?


A América Latina possui em sua história contemporânea um grande período marcado por golpes de Estado e conseqüentes ditaduras militares. Foram anos nos quais a ordem democrática foi subvertida e junto com ela, as garantias e direitos individuais e coletivos desapareceram. O resguardo da segurança nacional foi usado como motivo padrão e essa erigida como valor fundamental a ser protegido a qualquer custo.

As conseqüências foram, em geral, processos de redemocratização políticos e socialmente deficitários e, em alguns casos, principalmente no Brasil, uma justiça transicional que deixou a desejar, perpetuando a impunidade e dando sinal verde para o agir violento das forças de segurança pública.

Passado esse período, os Estados latino americanos começaram um processo de reinserção na comunidade internacional, que teve como uma de suas principais intenções a reconstrução da imagem de ditaduras para democracias. Nessa esteira, ratificaram os principais tratados de Direitos Humanos tanto do sistema global, quanto do regional e consentiram em ser jurisdicionáveis por cortes internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, responsável por julgar as condutas violadoras dos Estados e, mais recentemente, o Tribunal Penal Internacional, atuando na responsabilização dos indivíduos que cometem crimes internacionais.

A adesão aos tratados internacionais de direitos humanos implica necessariamente em uma restrição do exercício da soberania, pois os Estados reconhecem que os indivíduos que neles se encontram não são mais de seu domínio reservado, e sim objetos de legítimo interesse internacional. Os traumas do pós- Segunda Guerra e o processo histórico-político da comunidade internacional contribuíram para construção de um novo paradigma para o Direito Internacional, no qual o ser humano, e não mais os Estados, passa a protagonizar sua atuação e seus fins.

Neste diapasão, a Declaração de Viena e o Plano de Ação, frutos da Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, reconheceu nos seus dispositivos uma fundamental inter-relação entre Direitos Humanos, desenvolvimento e democracia. No item 8 diz claramente: “A democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente. A democracia se baseia na vontade livremente expressa pelo povo de determinar seus próprios sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais e em sua plena participação em todos os aspectos de suas vidas. Nesse contexto, a promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, em níveis nacional e internacional, devem ser universais e incondicionais. A comunidade internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoção de democracia e o desenvolvimento e respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais no mundo inteiro.”

Assim, concluí-se que não há uma efetiva proteção dos direitos humanos se não em um ambiente democrático e com políticas voltadas ao desenvolvimento. A democracia, faz-se, portanto, necessária a concepção da ideia de direitos humanos, pois é o ambiente no qual o ser humano se desenvolve com liberdade e resguardado pela rule of Law.

Tendo em vista que o golpe de Estado ocorrido em Honduras colocou a baixo a ordem democrática ali estabelecida, também colocou em perigo a proteção dos direitos humanos naquele país, deixando seus cidadãos e estrangeiros que lá habitam (em especial os brasileiros) vulneráveis à atuação das forças golpistas e à violência gerada pela resistência e pelos apoiadores do golpe.

Portanto, uma vez posto em perigo iminente o resguardo dos direitos dos indivíduos que se encontram no território hondurenho, o golpe pode ser interpretado como um ato ilícito internacional que agride a comunidade internacional como um todo, devendo essa responder de maneira rápida e eficaz, tendo como baliza os postulados do Direito Internacional.

Concluído que o golpe foi internacionalmente ilícito, passo à reflexão sobre a situação do presidente de direito Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa.

Tanto o governo brasileiro quanto o Manuel Zelaya, afirmam que ele se encontra na embaixada como um hóspede. Observa-se aqui uma situação inédita e, no mínimo, complicada diante do Direito Internacional.

Está mais que óbvio que o presidente Zelaya fez a escolha política de não se declarar asilado e aproveitou as garantias conferidas às representações diplomáticas para continuar seu exercício político sem sofrer qualquer restrição. Do mesmo modo, não há, acredito, nem no costume, nem nas convenções internacionais a previsão de “hospede” nessas condições, sendo claro que o status de Zelaya diante do governo brasileiro deve ser o de asilado.

Arrisco dizer que, tendo em vista a situação dramática, cabe ao Estado brasileiro, prezando sua pretensa isenção na crise e a solidez de sua política externa, agir da seguinte forma: convencer o presidente Zelaya a pedir formalmente o asilo ou convencê-lo a procurar outro lugar. O que não pode acontecer é o uso de uma embaixada estrangeira como sede de campanha política, ou bunker de resistência.

Se aceitar a condição de asilado, a Convenção de Caracas sobre o Asilo Diplomático deixa muito claro no seu artigo XVIII que: “A autoridade asilante não permitirá aos asilados praticar atos contrários à tranquilidade pública, nem intervir na política interna do Estado territorial.” Portanto, Manuel Zelaya seria obrigado a se afastar da crise e da política hondurenha.

Bom, vamos ver como essa crise vai se desenvolver. Espero que a Comunidade Internacional e a República Federativa do Brasil ajam de maneira coerente.

Vitor Geromel- Grupo de Estudos Avançados em Direito Internacional dos Direitos Humanos- UEL