sexta-feira, 19 de março de 2010

PRR-3 REITERA URGÊNCIA DA IDENTIFICAÇÃO DAS OSSADAS DE PERUS

AGU RECORREU DE DECISÃO QUE FIXAVA PRAZOS E MULTA PARA A UNIÃO RELIZAR TRABALHOS  


A Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3) enviou ontem, 16 de março, parecer ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) pedindo a manutenção da decisão da antecipação de tutela da 6ª Vara Federal Cível de São Paulo que determinou à União e ao Estado de São Paulo a identificação das ossadas de desaparecidos políticos da época da ditadura militar encontradas na década de 90 em vala comum no cemitério de Perus.

A intervenção do Ministério Público Federal (MPF) se deu no pedido de suspensão da decisão formulado pela Advocacia Geral da União (AGU), que alegou que o cumprimento da decisão, proferida em fevereiro deste ano, representaria “flagrante afronta à ordem pública”, “passível de causar grave lesão à economia pública” por provocar “excessivo ônus ao Estado brasileiro”, além da suposta “inexistência de interesse público” no caso.

Para o MPF, tais alegações não procedem porque nem a ordem, nem a economia pública foram violadas já que há meios legais de adoção de medidas administrativas urgentes para a resolução do problema. O direito à memória da sociedade brasileira está previsto na Constituição e na legislação específica que impõe ao Estado o dever de identificar as vítimas da ditadura. A urgência nos trabalhos se impõe pois “a cada dia que passa diminuem as chances de que as ossadas possam ser identificadas”.

Entre as determinações da sentença contestada pela AGU estão a fixação de prazos para que a União e o Estado de São Paulo concluam certos trabalhos, como o exame das ossadas, descarte das “flagrantemente incompatíveis” com os desaparecidos políticos e a seleção das ossadas que devem ser submetidas a exame de DNA (180 dias), a obrigatoriedade na contratação de laboratório especializado no exame de DNA em ossos (90 dias), e reestruturação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (60 dias). O juiz da 6ª Vara estabeleceu ainda multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento da decisão.

No parecer do MPF, a procuradora regional da República Geisa de Assis Rodrigues rebate os argumentos da AGU, como a de que a decisão confrontaria a Constituição Federal ao delimitar prazos e assim impossibilitar a realização de licitação para a contratação de laboratório, de especialistas ou para a compra de equipamentos. “Falaciosa tal assertiva da União”, pontua a procuradora, demonstrando que a Lei 8.666/93 prevê a dispensa de processo licitatório em “atendimento de demandas administrativas emergenciais”. Ela afirma, ainda, que “dada a atual condição das ossadas”, a identificação das pessoas precisa ser feita a partir da análise do DNA mitocondrial dos ossos, “exame cuja realização depende de profissionais e do uso de tecnologia altamente especializada” - o que tornaria a alegada necessidade de concorrência uma hipótese muito remota.

A procuradora lembra que no caso da Guerrilha do Araguaia, “também para cumprir decisão judicial”, o governo federal formou um grupo de profissionais a partir de convênios com instituições da administração pública direta e indireta, como antropólogos do Museu Emílio Goeldi, geólogos, médicos e odontólogos da Polícia Federal, legistas e peritos do Distrito Federal e geólogos da Universidade de Brasília. “Os meios são conhecidos e já foram aplicados em oportunidades anteriores”, registrou Geisa em seu parecer, criticando o fato do governo levar 14 anos desde a criação da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos para iniciar o processo seletivo de contratações, demonstrando assim “uma persistente mora da União em cumprir seus deveres e que é perfeitamente possível o cumprimento das medidas determinadas pela decisão atacada no prazo assinalado”.

“Frise-se que a reticência da União em realizar a identificação dos despojos encontrados no Cemitério de Perus consubstancia grave ofensa a dever constitucional e legal”, prossegue a procuradora, ressaltando que a ação civil pública movida pelo MPF “persegue fins legítimos, porque visa, em última instância, à defesa de interesses difusos, a saber, os direitos da coletividade à informação e à verdade acerca das práticas ilícitas levadas a cabo em nome do Estado Brasileiro no último período ditatorial, medidas determinantes à redução da impunidade e à não repetição dessas práticas, como forma de reparação dos danos causados à coletividade.”

Sobre a aplicação de multas, Geisa pondera que ela “não é certa mas, obviamente, está condicionada ao descumprimento da decisão”. O parecer foi encaminhado ontem ao presidente do TRF-3, Roberto Luiz Ribeiro Haddad.


Processo nº: 2010.03.00.006514-7






Nenhum comentário:

Postar um comentário